Investing.com - O retorno do republicano Donald Trump à Casa Branca leva uma perspectiva de alta incerteza para os mercados financeiros globais, resultado da preocupação dos investidores pelo grau de efetividade da retórica protecionista de adoção de tarifas comerciais contra produtos importados e seus impactos no comércio internacional. Na avaliação de Alex Fuste, economista-chefe do Andbank, a apreensão é legítima, mas há razões para manter a calma.
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“A chave é a utilização estratégica dos direitos aduaneiros. O que os investidores devem questionar não é tanto o efeito das tarifas, mas a forma como a administração Trump pretende utilizá-las”, avalia Fuste, destacando a existência de duas abordagens predominantes no círculo restrito de Trump:
Visão de Scott Bressent: o conselheiro econômico e novo secretário de Tesouro de Trump vê as tarifas como um instrumento para pressionar os rivais econômicos e alinhá-los aos interesses dos EUA. As tarifas poderiam ser utilizadas para induzir mudanças específicas, como forçar o Japão a valorizar o iene, que é considerado desvalorizado em relação ao dólar; incentivar a Europa a aumentar as despesas com a defesa, reduzindo a sua dependência dos EUA; pressionar o México a controlar os fluxos migratórios e as suas implicações, incluindo o tráfico de droga; ou incentivar a China a estabelecer fábricas em solo americano.
Visão de Robert Lighthizer: o representante comercial do primeiro mandato de Trump defende uma abordagem mais protecionista, vendo as tarifas como um objetivo em si. Para ele, as tarifas são uma barreira que protege a economia nacional, permitindo inverter a desindustrialização que atingiu a classe trabalhadora e gerou tensões sociais significativas. Esta abordagem procura estabelecer um muro tarifário para que os EUA possam reconstruir a sua capacidade produtiva.
A escolha de Bressent como secretário de Tesouro e Howard Lutnick como secretário de Comércio parece indicar uma preferência de Trump pela visão do uso das tarifas como uma ferramenta estratégica, com impacto limitado e direcionado. Apesar de Lighthizer ter sido um aliado fiel de Trump durante os anos fora da Casa Branca, o ex-representante comercial não foi anunciado, até agora, em nenhum cargo de alto escalão.
“Estas nomeações sugerem que a administração Trump se inclina para uma utilização tática das tarifas, empregando-as como uma ferramenta para reforçar a sua influência em questões específicas sem procurar uma disrupção completa do comércio global”, completa Fuste.
O economista-chefe do Andbank apresenta as credenciais das economias que serão mais beneficiadas pela novo regime tarifário de Trump. “Os países que não serão significativamente afetados serão aqueles cujas economias funcionam segundo as regras do mercado e evitam políticas de subsídios maciços destinadas a gerar uma sobreprodução setorial para se consolidarem como líderes mundiais (por exemplo, em setores como os painéis solares ou os veículos eléctricos)”, diz Fuste, que vê países em vias de assinar Memorandos de Entendimento (MOU) com os EUA saindo na frente, como Índia, Vietnã e, possivelmente, a Argentina.
Essas credenciais para se beneficiar são uma abordagem contra a China, uma das maiores vítimas da nova política comercial americana. A economia chinesa vai crescer próximo à meta do Partido Comunista Chinês de 5% em 2024 devido às exportações e políticas destinadas para a liderança na produção e vendas de, por exemplo, veículos elétricos e de equipamentos de transição energética. A administração Biden critica, inclusive, a política econômica chinesa, seja por meio retórico da secretária de Tesouro Janet Yellen apontando o crescimento da capacidade industrial ociosa pela China, seja por meio de tarifas de 100% sobre veículos elétricos; 50% sobre produtos médicos, baterias de lítio, chips e painéis solares; e de 25% sobre o aço.
“Trump já anunciou a imposição de uma nova tarifa de 10% sobre a China, que se juntará às já existentes”, relembra Fuste. O economista-chefe do Andbank também apresenta outro racional por trás da retórica anti-China de Trump, que se relaciona com a visão atualmente prevalecente do uso das tarifas pela futura administração do republicano.
“Segundo Washington, Pequim não fez nada em relação aos acordos alcançados para sancionar os conhecidos traficantes de droga. A China continuou a vender os componentes necessários para a fabricação do fentanil”, diz o economista, que não vê a China dando indicações de que vai prender estas pessoas.
As recentes eleições nos Estados Unidos corroboraram o predomínio da visão neo-industrialista sobre a antiga perspetiva econômica que fundamentou a globalização nos anos 1990, o que torna esta visão obsoleta, “Os industrialistas dão prioridade à recuperação da competitividade nacional em detrimento do princípio da vantagem comparativa. Isso significa que procuram reindustrializar a economia americana sem se basearem exclusivamente em critérios de eficiência e que estão dispostos a aplicar medidas protecionistas, como barreiras tarifárias, se necessário”, explica Fuste. Isso significa que ficaram em segundo plano as ideias de deslocamento da produção para países com custos de mão de obra mais baixos, promovendo o livre comércio como o modelo ideal sob um ambiente de concorrência leal e respeito às regras de mercado por todos os atores.
Embora seja previsível, com o predomínio da visão industrialista, um reforço das políticas aduaneiras, é pouco provável que se verifique uma relocalização total da capacidade produtiva instalada do estrangeiro para os EUA. “É mais provável que o novo regime aduaneiro incida apenas sobre países cujas práticas industriais são questionáveis, ou seja, economias que não funcionam segundo as regras do mercado, enquanto os países que respeitam as regras do comércio igualitário e funcionam como economias de mercado serão pouco afetadas pelo novo quadro tarifário”, completa o profissional do Andbank.
A explicação de Fuste implica em dois modelos de estratégia comercial: o friendshoring e o nearshoring. O termo friendshoring refere-se à transferência de capacidade produtiva instalada de países como a China para países aliados, ou seja, alinhados com os interesses do Ocidente em geral e dos Estados Unidos em particular. O nearshoring, por outro lado, envolve a transferência de capacidade de produção da China para países geograficamente próximos do Ocidente, com o objetivo de mitigar os riscos de rupturas nas cadeias de abastecimento globais, como as observadas em 2021.
“Até à data, o Andbank não tinha uma posição clara sobre qual destas estratégias de investimento seria a mais promissora para 2025. No entanto, os recentes desenvolvimentos levam-me a crer que o friendshoring poderá oferecer maiores oportunidades de investimento”, projeta Fuste.
A América Latina ocupa uma posição particular neste contexto. A China expandiu sua presença na região com a iniciativa “One Belt, One Road”, conhecida no Brasil como “Nova Rota da Seda”. A iniciativa celebra acordos comerciais e de investimentos da China com alguns países países.
Os EUA encaram esta abordagem com preocupação, pois considera a América Latina como a sua área de influência vital, mas acaba admitindo uma presença chinesa na região, desde que não se torne uma influência estrutural. “Nesta perspetiva, é provável que os EUA reforcem uma abordagem de cooperação para contrabalancear a influência chinesa, o que se poderá traduzir numa relação mais estreita com os países latino-americanos”, afirma o economista do Andbank.
A decisão do Brasil de não se associar formalmente à iniciativa “Nova Rota da Seda” é vista como acertada por Fuste, porque há uma iniciativa similar lançada pelo G-7 em 2021 que, além da perspectiva econômica, está ligada também a valores como democracia, elevados padrões de governança e sustentabilidade.
“O objetivo da B3W [do G-7] é oferecer uma alternativa estratégica à Rota da Seda, destinada a evitar os riscos associados aos projetos financiados pela China, tais como: endividamento excessivo nos países beneficiários, falta de transparência nas condições de financiamento ou baixos padrões de sustentabilidade ambiental nos projetos desenvolvidos”, explica Fuste.
Com isso, as economias latino-americanas, assim como as de outras partes do mundo, devem buscar uma diplomacia equilibrada entre os dois pólos, tentando obter o melhor dos dois mundos sem criar qualquer atrito com uma das duas potências: manter uma relação forte com os EUA sem comprometer o crescimento das exportações para um mercado tão significativo como o chinês. E o receituário para conseguir esse objetivo baseia-se na adoção de regras de mercado previsíveis para manter a confiança dos investidores estrangeiros e locais; e a adoção de medidas comerciais defensivas, quando aplicáveis, contra produtos e setores específicos que são beneficiários de subsídios maciços.
“Em termos de medidas fiscais, o fator-chave para canalizar os fluxos de capital para o país é o equilíbrio fiscal e a sustentabilidade das finanças públicas. Esta ordem macroeconômica funciona como um sinal claro para os mercados”, recomenda Fuste, relembrando que o valor de uma moeda como o real brasileiro não é determinado apenas por uma taxa de câmbio fixa ou por taxa de juros pontuais.