Mesmo com dólar mais elevado, Banco Central tende a não intervir, diz economista
Investing.com – Mesmo com a expressiva valorização da moeda americana frente ao real, a tendência é de que o Banco Central não faça interferência. Como não haveria uma disfuncionalidade pontual no mercado, apenas uma elevação do prêmio de risco diante do risco fiscal e de cautela com possíveis medidas inflacionárias nos Estados Unidos após as eleições, a autoridade monetária brasileira não deve intervir, ainda que o dólar tenha ficado acima de R$5,80 nos últimos dias, na opinião de Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital, que concedeu entrevista ao Investing.com Brasil sobre o tema.
“O Banco Central já disse em outros momentos que ele atua quando tem disfuncionalidade, quando tem uma necessidade pontual de fluxo. Nesse momento, é prêmio de risco, é incerteza fiscal. Então, eu acho que eles não vão intervir”, apontou a economista.
A Armor Capital ainda calibra projeções para o câmbio na expectativa de um anúncio de medidas de cortes de gastos pelo governo, mas entende que, se o pacote não for percebido como suficiente, a moeda americana pode subir ainda mais, com o risco de se aproximar de R$ 6. Veja a entrevista completa com a economista-chefe da Armor Capital.
Investing.com – Fatores internos e externos pesam no dólar hoje?
Andrea Damico – Resumidamente, sim, tem os dois fatores pesando. Essa mudança do cenário externo é muito significativa. Desde o começo do mês, quando começou a ficar mais claro uma probabilidade maior de vitória do republicano Donald Trump com maioria de seu partido na Câmara e no Senado, o que lhe concederia um poder político muito significativo, isso começou a fortalecer o dólar no mundo.
Houve uma significativa apreciação da moeda americana porque o Trump vencendo, com mais poderes, ele consegue implementar melhor suas políticas, e suas políticas são majoritariamente inflacionárias, e isso pode inibir o ciclo esperado de queda de juros nos Estados Unidos, principalmente no ano que vem. Isso pode gerar um diferencial de juros mais favorável em relação à economia europeia, por exemplo, a UK, que são regiões que estão reduzindo os juros mais fortemente. Então, esse canal externo é muito relevante, ele é bem significativo mesmo.
Mas, ao longo dos últimos dois meses, o Brasil está piorando mais que os pares, mais que a média de emergentes, e isso basicamente ocorre por conta da questão fiscal, que gerou essa elevação do prêmio de risco.
Vemos não só o dólar sofrendo, mas a curva de juros subindo, abrindo, e a bolsa também caindo. Esse compasso de espera desse pacote de corte de gastos tem gerado uma volatilidade muito grande nos nossos ativos.
Entendo que, nesses últimos dias, tem acontecido uma certa frustração, porque o mercado talvez tenha criado uma certa expectativa de que esse pacote iria vir mais rapidamente depois das eleições. E ainda não temos uma perspectiva de quando ele vai ser divulgado e o teor dele.
No final, fica essa frustração do mercado com o timing do pacote. O teor não podemos dizer por que não sabemos o que vai vir, mas principalmente o timing está gerando uma ansiedade muito grande no mercado.
Inv.com – E qual desses fatores vocês consideram que pesa mais?
Damico – Olha, eu precisaria fazer umas contas, mas, observando só graficamente os preços, entendo que, na primeira metade do mês, o efeito majoritário foi o externo. Mas, nessa segunda metade do mês, principalmente nos últimos dez dias, foi mais o doméstico, porque o dólar global se apreciou muito no comecinho, nas primeiras duas semanas do mês, depois ele se estabilizou. Já o real continuou sofrendo o mês todo.
Inv.com – Esse anúncio fiscal esperado pode conter essa desvalorização? Quais são os limites para isso?
Damico – Entendo que sim. Claro que depende do teor do que vai ser divulgado. Mas estamos num nível de incerteza muito grande. Acho que o que faria o mercado melhorar significativamente seriam medidas em saúde e educação, os mínimos constitucionais, das despesas mais pesadas, também a questão da indexação do salário-mínimo na previdência. Qualquer um desses três tiros, digamos assim, seria muito positivo para o mercado. Agora, eu acho que dificilmente um desses tiros virá. Provavelmente as medidas devem ser direcionadas para algumas despesas menores, como seguro-desemprego, BPC. No final, resolve uma parte do problema, é importante esse tipo de medida que está sendo trazida pela mídia, mas a maior parte dos problemas ainda não será endereçada.
Inv.com – O que poderia fazer o dólar ir para a outra direção, para próximo de R$6? Isso pode acontecer?
Damico – Então, ir para esse nível de R$6, poxa, a gente já está em R$5,80. Se você me perguntasse há dois meses, eu diria que não, jamais, isso não vai acontecer, mas hoje eu já não consigo dizer que isso não vai acontecer, porque a gente já está em R$5,80.
Se sair algo um pouco pior do que esses R$40 bilhões que eu acho que já está sendo ventilado, apesar do Haddad ter negado e tudo mais, se sair algo pior que isso, R$20 bi, R$25 bi, eu acho que eventualmente a gente pode ter algo um câmbio chegando próximo de R$6, sim.
Mas eu acho que é importante o seguinte: houve um certo entendimento também da parte do governo que esse é o vetor mais crítico para os mercados. O câmbio é uma variável que não afeta só o mercado, afeta a economia real como um todo. Entendo que a mensagem do câmbio é muito educativa, é um preço muito educativo. Então, eu entendo que é um incentivo. Esses níveis mais depreciados acabam sendo um incentivo para que se divulgue algo minimamente razoável.
Inv.com – O Banco Central pode realizar uma intervenção no mercado de câmbio?
Damico – Eu acho que não vai ocorrer porque o que está acontecendo não é uma disfuncionalidade do mercado. Não é como a gente já viu acontecer na última vez que o BC interveio. Não é algo como que vai ter uma saída de 4 bilhões de dólares na semana que vem, então o mercado está antecipando, por exemplo. Não é nada disso. É só elevação de prêmio de risco. Então, acredito eu que o BC não vai atuar desta forma.
Eu acho que o BC já disse em outros momentos que ele atua quando tem disfuncionalidade, quando tem uma necessidade pontual de fluxo. Nesse momento, é prêmio de risco, é incerteza fiscal. Então eu acho que eles não vão intervir.
Inv.com – Qual a tendência da taxa de câmbio no final desse ano e no ano que vem, em sua visão?
Damico – Estamos em um momento de calibragem de projeção. Vamos ver a próxima decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), e é válido esperar mais alguns dias para ver efetivamente o que vai vir desse pacote fiscal.
Sobre o resultado da eleição nos Estados Unidos, entendo que vai ser Trump, mas ele pode, nos primeiros discursos, ser um pouco mais pragmático ou não, ou ele pode reforçar as promessas de campanha. Entendo que essas primeiras falas dele serão importantes para gente tatear melhor o que esperar dos Estados Unidos no ano que vem.
Vamos esperar mais alguns dias para fazer essa calibragem, para ter mais insumo do que esperar do cenário externo. Aqui dentro, a gente também quer dar uma olhada nesse pacote. Esses são os dois drivers mais relevantes para o cenário.
Mas hoje, sendo bem sincera, marcando a mercado, digamos, principalmente essa piora externa, só pelo componente externo, a gente já teria elementos para sair de R$5,50 e ir para algo em torno de R$5,70.
Mas, para isso acontecer, a gente precisaria de um pacote razoável. Se o pacote for muito ruim, pode ser que seja mais que isso. Agora, se a gente tiver um pacote muito bom, melhor do que o mercado está esperando, pode ser um pouco menos que isso.
Então, marcando a mercado só pelo componente externo, eu acho que hoje seria mais um torno de R$5,70 e então a gente teria que ter uma convicção maior do que vai vir desse pacote de gastos.
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